domingo, agosto 14, 2011

Quarto de Badulaques XX

Sobre política, paixão e casamento: Os apaixonados vivem num mundo maravilhoso de fantasia amorosa.  Concordam com o Tom Jobim: “O nosso amor vai ser assim, eu prá você,  você prá mim...” Eles acreditam firme e honestamente que o casamento será a realização da sua paixão em toda a pureza da fantasia. Mas todo mundo sabe, menos os apaixonados,  que na vida não acontece assim. As rotinas do dia a dia não combinam com fantasias amorosas. Casados os apaixonados  na casinha pequenina, eles terão agora de lidar com uma porção de coisas banais e irritantes. Por exemplo,  o pingo de xixi na tampa da privada... Alguém me contou que, na Alemanha, encontrou nos banheiros cartazes proibindo que os homens fizessem xixi da maneira clássica, macha, de pé. A ordem é fazer xixi assentado, como as mulheres. Fazer xixi assentado pode ser um golpe na auto-imagem machistas dos homens mas, sem dúvida, é uma solução para as tampas de privada molhadas com urina. Milan Kundera, no seu maravilhoso livro Os testamentos traídos, faz um comentário sobre Madame Bovary, de Flaubert, indicando que naquele livro o autor fez uma descoberta “por assim dizer, ontológica: a descoberta da estrutura do momento presente” que é feito pela “coexistência perpétua do banal e do dramático sobre o qual nossas vidas estão fundamentadas”. Muitos momentos terríveis nascem de coisas absolutamente banais, como uma tampa de privada respingada de xixi... Uma tampa de privada respingada de xixi é um golpe definitivo na imagem do príncipe encantado pelo qual a esposa  estava apaixonada... Outras coisas banais que acabam com o sonho romântico: a mancha de pasta de dentes na pia do banheiro, os pratos sem lavar na cozinha,  os programas favoritos de televisão, que revelam a inteligência e a sensibilidade estética do espectador, marido ou mulher ( mais terrível que o xixi na tampa da privada é gostar do “Big Brother”...),  a bagunça dos canhotos dos talões de cheque, o ronco ridículo, os puns, a ironia...  Pois a paixão muito se parece com a política. Há partidos que, à semelhança dos apaixonados, são feitos com lindas fantasias, fantasias de integridade ética, de justiça social, de transparência, de honestidade... É fácil ficar apaixonado por um partido assim porque, na fantasia ele, o partido,  é o cavalo branco em que cavalga o herói salvador. E a fantasia continua a ser apaixonante até a realização do casamento, isso é, até que o partido ganhe o poder. Aí se descobre que a política real não combina com ideais românticos. Em um dos seus prefácios ao Capital Marx observa que o que ele diz nada tem a ver com o caráter dos capitalistas. Os capitalistas, como indivíduos, podem ser sensíveis, bondosos, espirituais e, frequentemente, patrocinam a filantropia e programas de carater social. O problema não está no caráter moral do capitalista. O problema está no caráter lógico do jogo que ele joga. Porque o jogo que ele joga é o jogo do lucro, e no jogo do lucro não há lugar para a bondade. Quem, no capitalismo, é movido por motivos éticos, perde o jogo e sai da competição. Sim, sim, é preciso cuidar das questões sociais, da fome, da miséria. Mas há dívidas pendentes, acordos com bancos, com o FMI. Faz uns anos fez-se um plebiscito, acho que patrocinado por setores da Igreja Católica( me corrijam se estou errado ) sobre se devemos ou não pagar as nossas dívidas com o capitalismo internacional. As razões éticas respondem: “Já pagamos. Não devemos, portanto, pagar.” E assim foi: o resultado esmagador do plebiscito foi que não devemos pagar. Ah! Como seria maravilhoso comprar e não pagar! Mas todo mundo sabe o que acontece com aqueles que compram e não pagam... Muito bem! Decidimos que não vamos cumprir os contratos assinados nos termos estabelecidos. O resultado? A vida nacional entra em colapso. Graças à globalização não vivemos mais na fazenda antiga auto-suficiente que produzia tudo o de que necessitava. Precisamos importar para que a vida do país não pare. Mas, porque não pagamos, não poderemos importar. Ninguém é doido de dar crédito a maus pagadores... Não estou dizendo que isso é bom ou  é mau. Estou dizendo que é assim. A alternativa que se abre é juntarmo-nos a alguma tribo de índios...  É isso: enquanto os partidos éticos e idealistas não têm poder, eles se comportam como os apaixonados. Mas depois que estão no poder a realidade é outra... Para o casamento há três soluções. Primeira: abandonar os belos ideais e aceitar as regras do jogo da realidade. Marido e mulher permanecem juntos por razões práticas. Segunda: o divórcio que permitirá que se reinicie a busca do príncipe encantado em outro lugar. Mas com o novo príncipe encantado vai acontecer a mesma coisa. Ele vai fazer xixi na tampa da privada...  Terceira: abandonar a política e transformar-se em profeta. Os profetas de Israel não eram homens de partido. Eram visionários solitários. Solitários, não tinham poder. Por serem solitários, não jogavam em nenhum time e eram detestados por todos, tanto os da direita quanto as da esquerda  - o que, frequentemente, os levava à morte. Acho que esse é o caso de Jesus. Muito embora certos teólogos insistam em fazer de Jesus um precursor do socialismo,  como se socialismo e Reino de Deus fossem a mesma coisa, o fato é que Jesus não tinha o menor interesse por política. Ele sabia que política era um jogo com dados viciados. O poder corrompe sempre, sempre... No poder todos os partidos jogam o mesmo jogo – com diferenças de estilo, é claro.. A solidão do profeta o torna fraco mas, em compensação, lhe dá liberdade para dizer a verdade,  sem atentar para os interesses estratégicos momentâneos do partido e nem para sua segurança pessoal. Por isso os profetas são seres puros. Um dos profetas que mais amo é Albert Camus:  “Cada vez que ouço um discurso político ou que leio os que nos dirigem, há anos que me sinto apavorado por não ouvir nada que emita um som humano. São sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas mentiras.”  E Guimarães Rosa: “Sou escritor e penso em eternidades. O político pensa apenas em minutos. Eu penso na ressurreição do homem.” Quem quiser ficar casado ou permanecer no partido tem de se conformar: todos os príncipes encantados fazem xixi na tampa da privada. A alternativa é a solidão profética. Ou poética. (Rubens Alves)

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